Contrabando nacional
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Fui a uma mercearia.
Perguntei ao merceeiro se, por acaso, não me poderia arranjar fruta como aquela que se comia antigamente.
Fruta com aroma e com sabor.
O merceeiro passou-se!
Disse-me que só vendia fruta normalizada.
E foi então que deslizou um pequeno cartão por baixo da mão, de modo a que ninguém visse.
Coloquei o cartão no bolso da camisa e fui-me embora.
Tinha um número de telefone.
Liguei para o número.
Do outro lado da linha mandaram-me ir às docas de Santa Apolónia às duas da manhã.
À hora certa compareci.
Um bêbado sem abrigo perguntou-me pelo nome.
Respondi-lhe.
Levou-me para uma carrinha com vidros escuros.
Vendaram-me.
Fui conduzido para parte incerta durante cerca de vinte minutos.
Tiraram-me a venda.
Estava tudo desfocado.
Quando a focagem voltou, reparei que estava dentro de uma mercearia sem janelas.
Uma espécie de cave.
Olhei à volta e vi um tipo encarapuçado por detrás de um balcão.
E foi então que me apercebi: estava numa mercearia cheia de artigos tradicionais portugueses!
Laranjas da BaÃa!
Pêra rocha decente e com bicho!
Meloas cheirosas e aromáticas!
Maçãs reinetas com sabor bem português!
Nada turco.
Nada argentino.
Nada espanhol.
Só produtos portugueses.
Comprei quilos de fruta.
Deram-me até um cartão cliente.
Agora só preciso mandar um sms com a minha encomenda para um determinado número, e passam a entregar-me os produtos tradicionais portugueses em casa. Pago no acto da entrega.
Vendaram-me novamente.
Deixaram-me nas docas de Santa Apolónia.
Voltei para casa.
E comi duas laranjas.
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