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Nubank: a rara ascensão de um mamute no rígido cenário bancário do Brasil

 
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Vamos começar o segundo episódio da sexta temporada do Tecnocracia explorando duas ideias sem um elo aparente entre elas.

A primeira saiu da cabeça de, facilmente, um dos dez seres humanos mais geniais da história. Em 1687, um polímata inglês de 45 anos lançou um livro chamado Princípios matemáticos da filosofia natural. O livro era composto de basicamente duas leis definidas pelo quarentão após décadas de observação e experimentação com matemática, astronomia e física. Você não apenas já ouviu falar delas, como o livro continua sendo fundamental em uma série de campos do pensamento humano: a lei do movimento e a lei da gravitação universal. Estamos falando de sir Isaac Newton.

É bom estar com a autoconfiança em dia, mas também é bom ter uma dose de humildade constante para que essa confiança não se transforme em petulância. Nos dias em que você está se achando bom demais, rememore rapidamente o que foi a vida de Isaac Newton como um jovem adulto: aos 26 anos ele já tinha descrito as leis da ótica (sabe aquela história da luz branca se decompondo em sete luzes coloridas? Pink Floyd deve muito ao Isaac Newton) e tinha inventado cálculo diferencial. De novo: 26 anos.

O que te animava com 26? Eu estava animado por estar prestes a visitar a Espanha. Quase ninguém é Isaac Newton.

O Princípios matemáticos da filosofia natural era composto das leis do movimento e da gravitação universal. Nas leis do movimento, Newton definiu uma que você é capaz de repetir sem titubear: se um corpo está em movimento, ele tende a… permanecer em movimento. Se ele está parado, ele tende a ficar parado. A primeira lei do movimento é a inércia:

Todo objeto persevera em seu estado de repouso ou de movimento uniforme em linha reta, exceto na medida em que é compelido a mudar esse estado por forças nele impressas.

A inércia é uma força poderosíssima e, ainda que tenha sido descrita na física para objetos sólidos e palpáveis, o conceito é amplamente usado por uma série de outras áreas para descrever diferentes fenômenos, sejam eles psicológicos, mercadológicos ou amorosos. É esse uso metafórico que faremos hoje. Guarde este conceito: a inércia é a primeira ideia do episódio.

A segunda envolve rankings. Fala-se muito sobre como as maiores empresas do mundo em valor de mercado são da tecnologia — aqui no Tecnocracia eu já falei algumas vezes. É um exercício interessante para ilustrar o domínio do setor: as maiores empresas do mundo na década de 1990 eram de finanças, energia e consumo. Hoje, 7 das 10 empresas mais valiosas do mundo são de tecnologia. É uma mudança radical em comparação a, por exemplo, 1989, quando só 3 eram de tecnologia1. Uma década depois, em 2000, eram 3 de novo. O que não era tecnologia, era banco (principalmente os japoneses no começo da década de 1990), energia (exploração de petróleo) e consumo. Agora, estes rankings tão populares são um reflexo da economia global, com uma participação quase exclusiva de Estados Unidos, Europa e Ásia.

Tabela com as maiores empresas do Brasil.
Tabela: Guilherme Felitti/Manual do Usuário.

E no Brasil? Se a gente comparasse um ranking nos mesmos moldes, quão diferente ele seria trinta anos depois? Eu tabulei dados para entender. É bom já deixar claro que a histórica dificuldade de registro histórico no Brasil tornou bem mais difícil a busca por dados comparáveis de décadas passadas. Por essa limitação, não vou conseguir fazer uma comparação tão distante como 1989 nos EUA.

Para o Brasil, vamos voltar a 2007. Segundo o ranking da consultoria Economatica, as 10 maiores empresas do Brasil em valor de mercado eram, na ordem, Petrobrás, Vale, Bradesco, Itaú, Ambev, Banco do Brasil, Itaú S.A. (braço de investimento do Itaú), Sid Nacional, Gerdau e, para fechar, Unibanco. Dezessete anos depois e com dados mais claros, quais são hoje as maiores empresas do Brasil?

Um disclamer sobre como eu fiz essa lista. A B3 oferece uma planilha atualizada diariamente com as maiores empresas em valor de mercado. Ótimo, é o que precisamos. Mas só considerá-la não seria tão preciso — há empresas que abriram capital fora da B32. Então eu fui atrás das empresas brasileiras ou que têm a maior parte dos seus negócios no Brasil (já explico a distinção) e inseri na tabela conforme o valor de mercado.

Aquela grande mudança no ranking global não aparece aqui — a maioria dos nomes se repete. Então, está no topo da lista de novo a Petrobrás; o Itaú, agora unido com o Unibanco, aparece em terceiro; e Vale, Bradesco e Banco do Brasil estão lá de novo. No top 10, só 3 nomes são novos. A WEG, sobre a qual você já ouviu falar em vídeos sobre dividendos na bolsa, é a sétima maior. Na vice-liderança está o Mercado Livre.

“Guilherme, o Meli foi fundado por argentinos.” Eu sei, bonito e bonita, mas desde sua fundação a maior parte dos seus negócios acontece no Brasil. Por isso eu a mantive no ranking. Se tirássemos empresas fundadas por estrangeiros com negócios majoritariamente no Brasil, teríamos que tirar também a Tim Brasil. O Mercado Livre é hoje a segunda maior empresa do Brasil em valor de mercado, mas foi durante um bom tempo a maior, principalmente antes da valorização da Petrobrás, em 2023. Hoje, não há rival maior para a Amazon na América Latina que o Mercado Livre e eu já fiz um episódio do Tecnocracia só sobre isso — episódio #47, de abril de 2021, chamado “O Mercado Livre se veste de Amazon para combater a própria Amazon”.

Bom, no nosso ranking falta uma empresa, a que ocupa o quarto lugar. Tal qual 7 das 15 maiores empresas do Brasil, ela é um banco. Atrás dela estão outros bancos bastante tradicionais no país, alguns com décadas de história: Banco do Brasil, Bradesco, BTG e Santander. Na frente, quase empatado, está o Itaú. O curioso é que não dá nem para compará-la com o ranking anterior, já que em 2007 o Nubank ainda não existia. Era só uma provável ideia no fundo da cabeça de um colombiano no mercado financeiro. Só de se tornar a quarta maior empresa do Brasil em pouco mais de uma década, já valeria a gente parar para entender a fundo como o Nubank chegou lá. Mas tem um outro fator que torna o efeito ainda mais de cair o queixo: a empresa cresceu num setor historicamente engessado, sem tantos novos players. Se você tem menos de 40 anos, pergunte a alguém mais velho qual foi o banco mais novo que essa pessoa conheceu antes do Nubank. Os nomes que não forem “não sei” deverão ser de bancos que já quebraram há muito tempo. Ao contrário do setor de tecnologia (pelo menos foi assim nas primeiras décadas), o setor bancário é tão regulamentado — e por boas razões — que a barreira de entrada é altíssima. Dentro, o novo banco tem a ingrata tarefa de competir com mamutes, empresas solidificadas há décadas tanto nos balanços como na cabeça dos brasileiros. Ainda assim, o Nubank chegou lá.

No segundo episódio da sexta temporada do Tecnocracia a gente vai se aprofundar na raríssima ascensão de um mamute no Brasil. Vamos falar deste pilar da economia brasileira, tão necessário como odiado: o banco. O Tecnocracia é um podcast mensal que olha para a realidade com dados, notícias e um pouco de humor para ajudar todo mundo (eu, inclusive) a entender como a tecnologia impacta nossas vidas. Eu sou o Guilherme Felitti e o Tecnocracia está na campanha de financiamento coletivo do Manual do Usuário. Se você quer participar do grupo fechado no Telegram ou só dar dinheiro (vai que…), entre em manualdousuario.net/apoie.

Para entender o quão improvável parecia o surgimento de um banco tão grande e relevante em tão pouco tempo, a gente precisa entender como o setor bancário se desenvolveu no Brasil. Para entender onde estamos, olhamos de onde viemos. O ponto bom de fazer isso há tanto tempo é que, cedo ou tarde, tudo vira repetição. O ponto ruim de fazer isso há tanto tempo é que, cedo ou tarde, tudo vira repetição. Abre aspas para mim mesmo no Tecnocracia #13:

Como toda economia capitalista no mundo, a brasileira se apóia nos bancos. O mercado bancário no Brasil é extremamente concentrado: cinco bancos concentram mais de 80% dos ativos totais. Na categoria, o Brasil só perde para a Holanda, onde há quase 90% de concentração bancária. O Nexo tem um ótimo conteúdo comparando muitos países do mundo. O que são esses ativos? Basicamente, dinheiro. Os bancos oferecem uma série de serviços financeiros e o estudo do Banco Central que mede essa concentração avalia a participação de todos os bancos em categorias de serviço, como, por exemplo, crédito para pessoas físicas, jurídicas e rural, contas correntes, investimentos, emissão de cartões, seguro, financiamento, título de capitalização… A lista é enorme.

Os cinco bancos que dominam o mercado brasileiro são três privados (sendo que dois deles são nacionais) e dois públicos. Em ordem de total de ativos: Itaú Unibanco, Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal e Santander.

Esse episódio foi escrito em maio de 2019, quando pandemia global era só uma preocupação hipotética. Cinco anos depois, alguns pontos mudaram. Nós vamos atualizar no decorrer do episódio.

Nas últimas décadas, o setor bancário privado no Brasil se organizou em um duopólio: de um lado o Bradesco. Do outro, o Itaú. Essa formação se deu por vários motivos, mas dois são os principais. Um: Bradesco e Itaú foram criando companhias conectadas a si mesmos para explorar novas tecnologias bancárias. Por exemplo, na metade da década de 1990, quando estava claro que o futuro dos pagamentos eram os cartões, os dois bancos — aliados a outros bancos — fundaram as duas mais tradicionais empresas do setor. De um lado, o Itaú, o Citibank, o Unibanco (mais sobre ele daqui a pouco) e a bandeira Mastercard criaram a Redecard, que viraria Rede; do outro, Bradesco, Banco do Brasil, Banco Nacional, Banco Real e Visa criaram a Visanet, que viraria Cielo, administrada pela Elo Participações. Conforme o mercado de pagamentos se modernizava, também Elo Participações e Rede se armavam: a primeira criou a bandeira Elo para tentar dar um cambal no Visa3, a Alelo para tíquete-refeição, a Livelo para programa de fidelidade, o banco digital Digio (resposta direta ao Nubank, mas daqui a pouco falamos sobre isso) e comprou o gateway de pagamento Braspag4. Já a Rede sempre foi mais comedida: em 2014 ela comprou o gateway de pagamento maxiPago! e foi isso, já que as inovações saem mais da nave-mãe Itaú que da subsidiária ou de aquisições.

O segundo fator que ajuda a explicar o duopólio é que, conforme bancos menores iam quebrando a partir da década de 1980, o Banco Central, temendo um efeito dominó, manejou para que bancos maiores assimilassem as operações podres e honrassem os compromissos. Quanto mais assimilavam esses rivais menores, maiores Itaú e Bradesco ficavam. Você deve ter visto propagandas antigas do Bamerindus, o boné azul do Senna com o logo do Nacional e ver uns bancos sobre o qual nunca ouviu falar quando vai comprar CDBs ou escuta notícias de operações da Polícia Federal contra o uso do banco para lavagem de dinheiro. O Brasil sempre teve centenas de bancos. (Ainda tem.) Aqueles que não sobreviveram ajudaram a engrossar os dois líderes privados. Para completar o cenário, o espanhol Santander comprou o Real e ocupou durante mais de uma década um distante terceiro lugar tanto no varejo quanto nos cartões, com a Getnet.

Dado um cenário tão concentrado, quem poderia imaginar um rival crescendo tão rápido? Nem mesmo Bradesco e Itaú. Deitados em berço esplêndido, ambos caíram na armadilha de achar que a liderança histórica era garantia. No mercado de cartões, a Stone, fundada por André Street, ofereceu uma inédita competição a Rede e Cielo e conseguiu resultados tão acima do esperado pelo mercado que abriu capital na Nasdaq em 2018, com apoio do fundo de Warren Buffet. Na época, o principal boato do mercado era que o David verde assumiria o Golias azul. É sobre isso o Tecnocracia #13. Desde então, resultados decepcionantes da Stone esfriaram o hype — em três anos, seu valor de mercado diminuiu 6x e Street saiu da empresa em março de 2024. Isto foi em cartões. Mas imaginar um rival à altura para um banco inteiro? Tão acostumado, o brasileiro estava resignado que seria sempre assim. Precisou vir um gringo ao Brasil para imaginar que era possível. E quem está falando isso não sou — é ele.

Ele quem? O colombiano David Vélez começou sua carreira como analista de investimentos em dois dos maiores bancos do setor, o Goldman Sachs e o Morgan Stanley, e migrou para fundos dedicados a investir em startups. Primeiro foi o General Atlantic, responsável por alguns dos primeiros aportes em tecnologia no Brasil, e depois foi o sujeito responsável por investimentos na América Latina da Sequoia.

Um passinho para trás. Em 1977, um sujeito chamado Don Valentine estacionou em frente a uma casa e entrou na garagem, onde dois jovens trabalhavam. Após conversar, Valentine assinou um cheque de US$ 150 mil para dois Steves, Jobs e Wozniak. Valentine era sócio-fundador da Sequoia e o fundo se tornou um dos mais importantes do Vale do Silício — além da Apple, investiu no Google, LinkedIn, YouTube, WhatsApp, Dropbox, Oracle, Nvidia, Zoom, Airbnb e PayPal.

A principal obrigação do colombiano Vélez era achar negócios interessantes para investir na época em que o Brasil estava bombando, capa da The Economist com o Cristo decolando, quinta maior economia do Brasil. Existia até o plano de abrir um escritório local. Foram inúmeras viagens, ainda mais reuniões, centenas de e-mails e mensagens. Ao fim de dois anos, nos quais falou com praticamente todos os grandes players de tecnologia do Brasil, Vélez comunicou um cenário pouco animador: nenhuma das startups parecia interessante o suficiente para ser investida5. Havia, porém, uma ressalva: ele mesmo tinha tido uma ideia e resolveu trocar de papel: foi pedir o dinheiro da Sequoia para si mesmo. Inicialmente, a Sequoia não gostou, mas foi convencida, assinou um cheque de US$ 1 milhão e recomendou: “você precisa achar um parceiro local.” Vélez via uma oportunidade incrível no Brasil: o crédito do cartão.

Mesmo com juros abusivos que podem chegar a mais de 400% ao ano, o chamado rotativo segue sendo bastante popular no Brasil. Segundo pesquisa do Instituto Locomotiva, 60% dos lares brasileiros tinham dívidas no cartão de crédito em dezembro de 2023. A ideia de Vélez não era acabar com o rotativo, mas diminuí-lo para criar um inegável atrativo com uma ainda alta lucratividade. O problema, lá em 2013, é que ele não entendia o suficiente do mercado local de cartões. Baseado no conselho da Sequoia, convidou Cristina Junqueira, então gerente do portfólio de cartões do Itaú, para se tornar sócia. Por fim, Vélez trouxe o norte-americano Edward Wible como o sócio técnico que tiraria todo o plano do chão.

O plano funcionaria sob um tripé, com os três pés interligados. Primeiro: isenção de anuidade e tarifas e juros menores, com teto de 7,75% por mês, menos da metade de Bradesco e Itaú. Segundo: uma interface mais fácil para requisitar serviços ou mudanças direto do app, sem passar pelas famigeradas agências. Terceiro: análise de risco baseada em incontáveis dados que outros bancos ignoravam, como modelo do celular e localização do GPS. Todo banco precisa analisar se a pessoa que pede crédito, seja pessoal ou atrelado a um cartão, é capaz de pagá-lo de volta. Os EUA tem o sistema de “credit score” (demorou, hein, Lu?), um conceito que (ainda) não pegou tanto no Brasil. O Nubank adotou a mesma abordagem do seu principal parâmetro. Abre aspas para reportagem do Brazil Journal de setembro de 2015:

O Capital One foi o pioneiro de um modelo de avaliação de risco chamado information-based strategy, que consistia em usar o máximo de dados para segmentar as ofertas aos clientes. Na época, os cartões de crédito nos EUA cobravam exatamente a mesma taxa de todos os clientes. Nigel Morris, um dos fundadores do Capital One, é hoje um dos investidores e conselheiro do Nubank. (O Capital One é hoje um banco com 65 milhões de clientes no mundo todo).

Em agosto de 2014, a Nubank lançou seu cartão com bandeira Mastercard e a Sequoia investiu mais US$ 13,8 milhões. A partir daí, a história anda rápido. Um ano depois, meio milhão de pessoas já tinham pedido o cartão — algumas entraram e milhares ficaram na fila de espera. Tiger Global, QED Investors e Kaszek Ventures (de um dos fundadores do Mercado Livre) investiram mais R$ 90 milhões no Nubank. A empresa, que começou numa casa em Moema6, se mudou para um prédio recém-reformado perto do Parque Ibirapuera, mas não durou: menos de dois anos depois, já tinha se mudado para um prédio enorme próprio na Avenida Rebouças, em São Paulo. Em 2016, dois anos após o lançamento, já havia 1 milhão de cartões de crédito circulando.

Quem eram esses clientes? O próprio Vélez explica para o G1:

No começo do Nubank, 80% dos clientes adquiriam o primeiro cartão. A média era de 21 anos, era um cliente bem jovem.

Foi o afã do público mais jovem, bastante conectado, que formou a onda na qual o Nubank surfou em seus primeiros anos. Como o Orkut e os drops de sneakers já ensinaram, essa oferta sufocada ajuda a atiçar a demanda, ainda mais quando você lê em todo lugar como o novo cartão não cobra taxas e tem juros menores. Quando chegava o cartão, muitas vezes o primeiro, o cliente entendia quão mais fácil de usar era o app do Nubank em comparação aos dos bancos tradicionais. Sabe aquela história da Uber “salvando” consumidores do péssimo atendimento dos táxis? Mesma coisa, mas aplicada para bancos. Isso tornava muito cliente satisfeito em fã nas redes sociais. O Nubank foi um dos motores do fenômeno de fandom de empresas: cliente que não é acionista ou funcionário defendendo a empresa como se fosse o time de futebol do coração. Em momentos diferentes da última década, se você quisesse arrumar briga de graça na internet era só falar mal do Nubank, Tim Beta e Xiaomi. Esse fandom levou a um segundo momento, tão insuportável como o primeiro: o das empresas com personas engraçadinhas nas redes conversando entre si. Enfiar um garfo de churrasco quente no olho é mais agradável. Para o Nubank, a oferta sufocada era excelente: o Brazil Journal estima que um grande banco gasta até R$ 170 para atrair um novo cliente. No caso do Nubank, o custo era quase zero.

Começou um círculo virtuoso/Essa procura fez o sucesso se retroalimentar: a fila aumentava, mais gente recebia cartão e defendia o Nubank nas redes, mais repercussão na imprensa, mais fundo de investimento se interessava, mais aporte, mais contratações, novos anúncios, mais gente queria entrar e tudo recomeçava. Era natural que um player novo recebendo tanta atenção alimentasse um rumor, ainda mais no setor bancário, sempre nadando em dinheiro: quem compraria o Nubank? O problema é que a startup cresceu tão rápido que não deu tempo. O Nubank ficou grande demais até mesmo para Itaú e Bradesco engolirem.

O sucesso do cartão do Nubank teve efeitos externos e internos. Comecemos pela porta para fora. De um lado, os bancões se viram obrigados a repaginar serviços e/ou lançar contas digitais — Digio e Next ligados ao Bradesco, Safra One do Safra e a carteira digital iti, do Itaú. Fora que o Itaú ia comprar a XP, mas o acordo não deu certo. Esse “extreme makeover” dos apps minou a vantagem que a Nubank tinha no começo pela ótima usabilidade. Por outro lado, o Nubank mostrou que existia espaço para outros players que misturavam finanças e tecnologia (a popular fintech). Pipocaram dezenas de novos bancos e emissores de cartões com apps tinindo e campanhas de marketing ousadas: C6, will bank, Inter, Neon, Agi, Original… A lista é enorme.

Da porta para dentro, era hora do Nubank se assumir como banco — afinal, é Nubank, não Nucard7. Ali, a empresa encaixa os pés nas pegadas que a Capital One já tinha dado nos EUA. Em janeiro de 2018, o Nubank ganhou a autorização para ser uma financeira, o que lhe dava autonomia para ofertar crédito sem precisar de um banco parceiro. O primeiro produto do banco foi a NuConta, hoje chamada apenas de conta do Nubank mesmo. Dessa vez, como já existia uma base de milhões de clientes, foi fácil acoplar a conta corrente aos cartões; não era preciso subir a pirambeira tudo de novo. Em dois anos, a conta do Nubank atingiu 4 milhões de clientes.

Lu já diria “one down, hundreds to go”. O que é um banco?8 É uma instituição que oferece um cardápio com centenas de produtos atrelados a dinheiro — principalmente, ao seu dinheiro. Quer guardar seu dinheiro? Conta corrente. Quer que renda um pouco mais? Poupança. Quer crédito? Crédito pessoal. Quer comprar uma casa? Crédito imobiliário. Quer um meio de pagamento? Cartões. Quer investir? Fazer câmbio? Sacar dinheiro vivo? Conta corporativa? Fluxo de caixa para empresa? Entra no app do seu banco antigo e navegue pelos menus. São dezenas de opções e não estamos considerando as outras focadas em nichos aos quais você não tem acesso. Acoplar serviços à base de conta+cartão que o Nubank já tem é um caminho bastante longo.

O objetivo é ter mais clientes usando mais produtos (alguns ainda a ser lançados) e, consequentemente, gerando mais receita para o banco, uma métrica que o banco chama de ARPAC no seu relatório trimestral. O ARPAC está vagarosamente crescendo (páginas 10 e 11 do relatório fiscal de 2023), enquanto a base de clientes segue crescendo forte — no fim de 2023, eram 94 milhões, 20 milhões a mais que um ano antes. Lembra do ranking que abriu o episódio? O valor de mercado atual, que coloca a Nubank como quarta maior empresa do Brasil, é baseado em resultados financeiros, sim, mas tem muita expectativa, muito potencial. Vamos comparar alguns números de 2023: o Itaú lucrou 7x mais que o Nubank em 2023, mas seu valor de mercado é “só” US$ 3 bilhões maior. O Bradesco, que vale menos da metade que o Nubank, lucrou 3x a mais.

Esse descompasso entre balanço e valor de mercado reflete como o mercado confia que, em algum momento, o Nubank vai transformar potencial em caixa. Em dezembro de 2021, o banco abriu capital na NYSE, a bolsa de valores de Nova York, e levantou mais de US$ 2,6 bilhões. Além do dinheiro, o Nubank se posicionou para investidores norte-americanos, europeus e asiáticos como o grande player bancário moderno na América Latina. Além do Brasil, o banco já estreou na Colômbia e no México — seu modelo facilita replicar o modelo em outros mercados, ao contrário dos bancões. Outros países devem estar no plano. Não é pouca coisa, principalmente se precisar levantar mais dinheiro.

Tabela de juros no cartão de crédito dos bancos brasileiros.
Tabela: Banco Central/Reprodução.

Aí a gente chega na parte mais importante do episódio. Como o Nubank faz dinheiro hoje? 80% das receitas vem de crédito no cartão. Os outros 20% são empréstimos pessoais. Investidor só gosta de empresas com resultados que seguem melhorando. Como um banco ganha mais dinheiro a cada trimestre? Com juros e taxas. Banco com hype e cool entre a molecadinha ainda é banco, ainda lucra com o seu dinheiro. Você pode colocar uma gravatinha num lobo selvagem. Ele vai até ficar mais bonitinho, mas vai arrancar seu braço na mordida do mesmo jeito.

Em março viralizou o TikTok de uma usuária explicando como sua dívida de R$ 5 mil reais no rotativo do Nubank se aproximou de R$ 1 milhão dois anos depois. Aquela taxa de juros alardeada de quase metade dos bancões nos primeiros anos do Nubank não durou 2 anos: em 2016, a empresa anunciou que aumentaria o teto dos juros de 7,75% para 14% ao mês. Se você entrar agora no site do Banco Central que mostra as taxas de juros do rotativo para todos os bancos, a média do Nubank está acima de bancões, como Bradesco, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil9.

Aquela ideia inicial do banco com juros muito menores que a média, no geral, pode estar na cabeça de muita gente, mas a realidade não a apoia mais. Tanto que, em abril de 2023, quando o governo Lula começou a discutir um projeto para limitar os juros rotativos no cartão, o banco de investimento UBS BB publicou um estudo afirmando que um eventual teto teria o maior impacto no Nubank. O projeto foi aprovado no Congresso e sancionado pelo presidente em outubro de 2023.

Para finalizar: é uma tradição do Nubank ir atrás dos desbancarizados jovens quando começa uma operação. Foi assim no Brasil e é o que está acontecendo agora no México — não à toa, o primeiro objetivo de 2024 no relatório fiscal de 2023 (página 28) é “Win in Mexico”. Você não precisa da tradução da Lu aqui. Mas arrebatar jovens desbancarizados é só o primeiro passo.

Slide de apresentação a investidores do Nubank citando a estratégia “Win in Mexico”.
Imagem: Nubank/Reprodução.

Desbancarizados são bons, mas não são o suficiente. Para justificar esse tamanho todo, o Nubank vai ter que escalar essa pirâmide social/financeira. Como tanta coisa na humanidade, a distribuição financeira de ativos obedece a uma “power law”: um pequeno grupo é responsável pela maior parte dos ativos. É em direção a esse topo da pirâmide, com as pessoas físicas e as empresas que movimentam bilhões, que o Nubank está tentando ir atrás.

A terceira prioridade para 2024 é “progredir em High Income e Supercore no Brasil”, dois grupos criados pela empresa. Supercore ganha de R$ 5 mil a R$ 12 mil e High Income ganha acima de R$ 12 mil. O Nubank diz que já tem a maioria desses clientes no Brasil, mas precisa se tornar o banco prioritário para eles. Não tem segredo: precisa de produtos voltados a essa fatia. Em março de 2024, a categoria de cartões Ultravioleta, o cartão Black lançado em 2021, foi reposicionado para quem ganha muito dinheiro.

Slide da nova estratégia do Nubank de avança sobre segmento de alta renda.
Imagem: Nubank/Reprodução.

Nesta pirambeira o Nubank luta também contra o que? A inércia lá do começo do episódio. Esse pequeno grupo muito endinheirado, vital para o futuro do Nubank, pode até não estar 100% satisfeito com seu atual banco, mas o trabalho para mudar é grande demais frente a, no máximo, diferenças incrementais. Está claro que o Nubank ainda não achou a fórmula que justifique a mudança e quem está falando não sou eu — é o CPO do banco, Jag Duggal, em uma live em abril de 2023. Disputar com bancões deitados em berço esplêndido tem dado certo, vide a rara ascensão de um novo mamute bancário. Mas a briga com a inércia é mais dura.

Porém — ah porém —, tempo para isso o Nubank tem: são bilhões em caixa, o lucro finalmente apareceu no balanço (US$ 1 bilhão em 2023) e até agora o mercado não tem razão nenhuma para perder a enorme confiança que depositou nele. Mas é bom ser ligeiro. Paira sobre o banco a história da Stone, que tirou Cielo e Rede do marasmo, conquistou a confiança do mercado de maquininhas ao abrir capital nos EUA e parecia pronta para quebrar a inércia e arrebentar o setor. Alguns resultados desanimadores depois, a Stone, com o perdão do trocadilho, afundou como pedra. A história da Nubank, de ideia a 4ª maior empresa do Brasil em 11 anos num setor que parecia sedimentado com concreto, é admirável. Mas uma coisa é chegar. Outra, ficar.

Foto do topo: Nubank/Divulgação.

  1. E eu estou forçando a barra em considerar a General Electric como tecnologia aqui.
  2. Uma rápida explicação: o Brasil tem apenas uma bolsa de valores, a B3. Os EUA tem algumas e muitas empresas de tecnologia na última década preferiram abrir em uma das bolsas gringas.
  3. Existia um contrato de exclusividade entre Visa e Cielo até 2010. No ano seguinte ao rompimento, a bandeira Elo foi lançada. Vamos lembrar que Mastercard e Visa não são empresas de cartões, mas de redes de processamento de pagamentos.
  4. A Braspag foi o primeiro gateway de pagamento do Brasil, fundada em 2005 por um sujeito chamado André Street que vai voltar à história daqui a pouquinho.
  5. Um parênteses: quando eu ainda era jornalista de redação, escrevi duas reportagens sobre o tema: uma de março de 2012 sobre a chegada da Sequoia atrás de investimentos e outra em maio de 2014 com a desanimadora conclusão do fundo.
  6. Essa casa na Rua Califórnia aparece em um terrível meme do LinkedIn tentando mostrar “o início modesto” da empresa, ignorando solenemente o dinheiro e, principalmente, o know-how da Sequoia, Vélez e Cristina. Enfim, ignore o LinkeDisney.
  7. Se você achou que ficaria só no cartão eu tenho uma Belina 93 à álcool para te vender.
  8. E nesta hora o Nubank pode reclamar que “a gente não é banco”, mandando link de post no blog oficial falando o mesmo. Daí a gente olha para o logo e para o link, o logo e o link, o logo e o link e segue em frente.
  9. Nota mental: pedir uma LAI com os dados históricos.

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A primeira saiu da cabeça de, facilmente, um dos dez seres humanos mais geniais da história. Em 1687, um polímata inglês de 45 anos lançou um livro chamado Princípios matemáticos da filosofia natural. O livro era composto de basicamente duas leis definidas pelo quarentão após décadas de observação e experimentação com matemática, astronomia e física. Você não apenas já ouviu falar delas, como o livro continua sendo fundamental em uma série de campos do pensamento humano: a lei do movimento e a lei da gravitação universal. Estamos falando de sir Isaac Newton.

É bom estar com a autoconfiança em dia, mas também é bom ter uma dose de humildade constante para que essa confiança não se transforme em petulância. Nos dias em que você está se achando bom demais, rememore rapidamente o que foi a vida de Isaac Newton como um jovem adulto: aos 26 anos ele já tinha descrito as leis da ótica (sabe aquela história da luz branca se decompondo em sete luzes coloridas? Pink Floyd deve muito ao Isaac Newton) e tinha inventado cálculo diferencial. De novo: 26 anos.

O que te animava com 26? Eu estava animado por estar prestes a visitar a Espanha. Quase ninguém é Isaac Newton.

O Princípios matemáticos da filosofia natural era composto das leis do movimento e da gravitação universal. Nas leis do movimento, Newton definiu uma que você é capaz de repetir sem titubear: se um corpo está em movimento, ele tende a… permanecer em movimento. Se ele está parado, ele tende a ficar parado. A primeira lei do movimento é a inércia:

Todo objeto persevera em seu estado de repouso ou de movimento uniforme em linha reta, exceto na medida em que é compelido a mudar esse estado por forças nele impressas.

A inércia é uma força poderosíssima e, ainda que tenha sido descrita na física para objetos sólidos e palpáveis, o conceito é amplamente usado por uma série de outras áreas para descrever diferentes fenômenos, sejam eles psicológicos, mercadológicos ou amorosos. É esse uso metafórico que faremos hoje. Guarde este conceito: a inércia é a primeira ideia do episódio.

A segunda envolve rankings. Fala-se muito sobre como as maiores empresas do mundo em valor de mercado são da tecnologia — aqui no Tecnocracia eu já falei algumas vezes. É um exercício interessante para ilustrar o domínio do setor: as maiores empresas do mundo na década de 1990 eram de finanças, energia e consumo. Hoje, 7 das 10 empresas mais valiosas do mundo são de tecnologia. É uma mudança radical em comparação a, por exemplo, 1989, quando só 3 eram de tecnologia1. Uma década depois, em 2000, eram 3 de novo. O que não era tecnologia, era banco (principalmente os japoneses no começo da década de 1990), energia (exploração de petróleo) e consumo. Agora, estes rankings tão populares são um reflexo da economia global, com uma participação quase exclusiva de Estados Unidos, Europa e Ásia.

Tabela com as maiores empresas do Brasil.
Tabela: Guilherme Felitti/Manual do Usuário.

E no Brasil? Se a gente comparasse um ranking nos mesmos moldes, quão diferente ele seria trinta anos depois? Eu tabulei dados para entender. É bom já deixar claro que a histórica dificuldade de registro histórico no Brasil tornou bem mais difícil a busca por dados comparáveis de décadas passadas. Por essa limitação, não vou conseguir fazer uma comparação tão distante como 1989 nos EUA.

Para o Brasil, vamos voltar a 2007. Segundo o ranking da consultoria Economatica, as 10 maiores empresas do Brasil em valor de mercado eram, na ordem, Petrobrás, Vale, Bradesco, Itaú, Ambev, Banco do Brasil, Itaú S.A. (braço de investimento do Itaú), Sid Nacional, Gerdau e, para fechar, Unibanco. Dezessete anos depois e com dados mais claros, quais são hoje as maiores empresas do Brasil?

Um disclamer sobre como eu fiz essa lista. A B3 oferece uma planilha atualizada diariamente com as maiores empresas em valor de mercado. Ótimo, é o que precisamos. Mas só considerá-la não seria tão preciso — há empresas que abriram capital fora da B32. Então eu fui atrás das empresas brasileiras ou que têm a maior parte dos seus negócios no Brasil (já explico a distinção) e inseri na tabela conforme o valor de mercado.

Aquela grande mudança no ranking global não aparece aqui — a maioria dos nomes se repete. Então, está no topo da lista de novo a Petrobrás; o Itaú, agora unido com o Unibanco, aparece em terceiro; e Vale, Bradesco e Banco do Brasil estão lá de novo. No top 10, só 3 nomes são novos. A WEG, sobre a qual você já ouviu falar em vídeos sobre dividendos na bolsa, é a sétima maior. Na vice-liderança está o Mercado Livre.

“Guilherme, o Meli foi fundado por argentinos.” Eu sei, bonito e bonita, mas desde sua fundação a maior parte dos seus negócios acontece no Brasil. Por isso eu a mantive no ranking. Se tirássemos empresas fundadas por estrangeiros com negócios majoritariamente no Brasil, teríamos que tirar também a Tim Brasil. O Mercado Livre é hoje a segunda maior empresa do Brasil em valor de mercado, mas foi durante um bom tempo a maior, principalmente antes da valorização da Petrobrás, em 2023. Hoje, não há rival maior para a Amazon na América Latina que o Mercado Livre e eu já fiz um episódio do Tecnocracia só sobre isso — episódio #47, de abril de 2021, chamado “O Mercado Livre se veste de Amazon para combater a própria Amazon”.

Bom, no nosso ranking falta uma empresa, a que ocupa o quarto lugar. Tal qual 7 das 15 maiores empresas do Brasil, ela é um banco. Atrás dela estão outros bancos bastante tradicionais no país, alguns com décadas de história: Banco do Brasil, Bradesco, BTG e Santander. Na frente, quase empatado, está o Itaú. O curioso é que não dá nem para compará-la com o ranking anterior, já que em 2007 o Nubank ainda não existia. Era só uma provável ideia no fundo da cabeça de um colombiano no mercado financeiro. Só de se tornar a quarta maior empresa do Brasil em pouco mais de uma década, já valeria a gente parar para entender a fundo como o Nubank chegou lá. Mas tem um outro fator que torna o efeito ainda mais de cair o queixo: a empresa cresceu num setor historicamente engessado, sem tantos novos players. Se você tem menos de 40 anos, pergunte a alguém mais velho qual foi o banco mais novo que essa pessoa conheceu antes do Nubank. Os nomes que não forem “não sei” deverão ser de bancos que já quebraram há muito tempo. Ao contrário do setor de tecnologia (pelo menos foi assim nas primeiras décadas), o setor bancário é tão regulamentado — e por boas razões — que a barreira de entrada é altíssima. Dentro, o novo banco tem a ingrata tarefa de competir com mamutes, empresas solidificadas há décadas tanto nos balanços como na cabeça dos brasileiros. Ainda assim, o Nubank chegou lá.

No segundo episódio da sexta temporada do Tecnocracia a gente vai se aprofundar na raríssima ascensão de um mamute no Brasil. Vamos falar deste pilar da economia brasileira, tão necessário como odiado: o banco. O Tecnocracia é um podcast mensal que olha para a realidade com dados, notícias e um pouco de humor para ajudar todo mundo (eu, inclusive) a entender como a tecnologia impacta nossas vidas. Eu sou o Guilherme Felitti e o Tecnocracia está na campanha de financiamento coletivo do Manual do Usuário. Se você quer participar do grupo fechado no Telegram ou só dar dinheiro (vai que…), entre em manualdousuario.net/apoie.

Para entender o quão improvável parecia o surgimento de um banco tão grande e relevante em tão pouco tempo, a gente precisa entender como o setor bancário se desenvolveu no Brasil. Para entender onde estamos, olhamos de onde viemos. O ponto bom de fazer isso há tanto tempo é que, cedo ou tarde, tudo vira repetição. O ponto ruim de fazer isso há tanto tempo é que, cedo ou tarde, tudo vira repetição. Abre aspas para mim mesmo no Tecnocracia #13:

Como toda economia capitalista no mundo, a brasileira se apóia nos bancos. O mercado bancário no Brasil é extremamente concentrado: cinco bancos concentram mais de 80% dos ativos totais. Na categoria, o Brasil só perde para a Holanda, onde há quase 90% de concentração bancária. O Nexo tem um ótimo conteúdo comparando muitos países do mundo. O que são esses ativos? Basicamente, dinheiro. Os bancos oferecem uma série de serviços financeiros e o estudo do Banco Central que mede essa concentração avalia a participação de todos os bancos em categorias de serviço, como, por exemplo, crédito para pessoas físicas, jurídicas e rural, contas correntes, investimentos, emissão de cartões, seguro, financiamento, título de capitalização… A lista é enorme.

Os cinco bancos que dominam o mercado brasileiro são três privados (sendo que dois deles são nacionais) e dois públicos. Em ordem de total de ativos: Itaú Unibanco, Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal e Santander.

Esse episódio foi escrito em maio de 2019, quando pandemia global era só uma preocupação hipotética. Cinco anos depois, alguns pontos mudaram. Nós vamos atualizar no decorrer do episódio.

Nas últimas décadas, o setor bancário privado no Brasil se organizou em um duopólio: de um lado o Bradesco. Do outro, o Itaú. Essa formação se deu por vários motivos, mas dois são os principais. Um: Bradesco e Itaú foram criando companhias conectadas a si mesmos para explorar novas tecnologias bancárias. Por exemplo, na metade da década de 1990, quando estava claro que o futuro dos pagamentos eram os cartões, os dois bancos — aliados a outros bancos — fundaram as duas mais tradicionais empresas do setor. De um lado, o Itaú, o Citibank, o Unibanco (mais sobre ele daqui a pouco) e a bandeira Mastercard criaram a Redecard, que viraria Rede; do outro, Bradesco, Banco do Brasil, Banco Nacional, Banco Real e Visa criaram a Visanet, que viraria Cielo, administrada pela Elo Participações. Conforme o mercado de pagamentos se modernizava, também Elo Participações e Rede se armavam: a primeira criou a bandeira Elo para tentar dar um cambal no Visa3, a Alelo para tíquete-refeição, a Livelo para programa de fidelidade, o banco digital Digio (resposta direta ao Nubank, mas daqui a pouco falamos sobre isso) e comprou o gateway de pagamento Braspag4. Já a Rede sempre foi mais comedida: em 2014 ela comprou o gateway de pagamento maxiPago! e foi isso, já que as inovações saem mais da nave-mãe Itaú que da subsidiária ou de aquisições.

O segundo fator que ajuda a explicar o duopólio é que, conforme bancos menores iam quebrando a partir da década de 1980, o Banco Central, temendo um efeito dominó, manejou para que bancos maiores assimilassem as operações podres e honrassem os compromissos. Quanto mais assimilavam esses rivais menores, maiores Itaú e Bradesco ficavam. Você deve ter visto propagandas antigas do Bamerindus, o boné azul do Senna com o logo do Nacional e ver uns bancos sobre o qual nunca ouviu falar quando vai comprar CDBs ou escuta notícias de operações da Polícia Federal contra o uso do banco para lavagem de dinheiro. O Brasil sempre teve centenas de bancos. (Ainda tem.) Aqueles que não sobreviveram ajudaram a engrossar os dois líderes privados. Para completar o cenário, o espanhol Santander comprou o Real e ocupou durante mais de uma década um distante terceiro lugar tanto no varejo quanto nos cartões, com a Getnet.

Dado um cenário tão concentrado, quem poderia imaginar um rival crescendo tão rápido? Nem mesmo Bradesco e Itaú. Deitados em berço esplêndido, ambos caíram na armadilha de achar que a liderança histórica era garantia. No mercado de cartões, a Stone, fundada por André Street, ofereceu uma inédita competição a Rede e Cielo e conseguiu resultados tão acima do esperado pelo mercado que abriu capital na Nasdaq em 2018, com apoio do fundo de Warren Buffet. Na época, o principal boato do mercado era que o David verde assumiria o Golias azul. É sobre isso o Tecnocracia #13. Desde então, resultados decepcionantes da Stone esfriaram o hype — em três anos, seu valor de mercado diminuiu 6x e Street saiu da empresa em março de 2024. Isto foi em cartões. Mas imaginar um rival à altura para um banco inteiro? Tão acostumado, o brasileiro estava resignado que seria sempre assim. Precisou vir um gringo ao Brasil para imaginar que era possível. E quem está falando isso não sou — é ele.

Ele quem? O colombiano David Vélez começou sua carreira como analista de investimentos em dois dos maiores bancos do setor, o Goldman Sachs e o Morgan Stanley, e migrou para fundos dedicados a investir em startups. Primeiro foi o General Atlantic, responsável por alguns dos primeiros aportes em tecnologia no Brasil, e depois foi o sujeito responsável por investimentos na América Latina da Sequoia.

Um passinho para trás. Em 1977, um sujeito chamado Don Valentine estacionou em frente a uma casa e entrou na garagem, onde dois jovens trabalhavam. Após conversar, Valentine assinou um cheque de US$ 150 mil para dois Steves, Jobs e Wozniak. Valentine era sócio-fundador da Sequoia e o fundo se tornou um dos mais importantes do Vale do Silício — além da Apple, investiu no Google, LinkedIn, YouTube, WhatsApp, Dropbox, Oracle, Nvidia, Zoom, Airbnb e PayPal.

A principal obrigação do colombiano Vélez era achar negócios interessantes para investir na época em que o Brasil estava bombando, capa da The Economist com o Cristo decolando, quinta maior economia do Brasil. Existia até o plano de abrir um escritório local. Foram inúmeras viagens, ainda mais reuniões, centenas de e-mails e mensagens. Ao fim de dois anos, nos quais falou com praticamente todos os grandes players de tecnologia do Brasil, Vélez comunicou um cenário pouco animador: nenhuma das startups parecia interessante o suficiente para ser investida5. Havia, porém, uma ressalva: ele mesmo tinha tido uma ideia e resolveu trocar de papel: foi pedir o dinheiro da Sequoia para si mesmo. Inicialmente, a Sequoia não gostou, mas foi convencida, assinou um cheque de US$ 1 milhão e recomendou: “você precisa achar um parceiro local.” Vélez via uma oportunidade incrível no Brasil: o crédito do cartão.

Mesmo com juros abusivos que podem chegar a mais de 400% ao ano, o chamado rotativo segue sendo bastante popular no Brasil. Segundo pesquisa do Instituto Locomotiva, 60% dos lares brasileiros tinham dívidas no cartão de crédito em dezembro de 2023. A ideia de Vélez não era acabar com o rotativo, mas diminuí-lo para criar um inegável atrativo com uma ainda alta lucratividade. O problema, lá em 2013, é que ele não entendia o suficiente do mercado local de cartões. Baseado no conselho da Sequoia, convidou Cristina Junqueira, então gerente do portfólio de cartões do Itaú, para se tornar sócia. Por fim, Vélez trouxe o norte-americano Edward Wible como o sócio técnico que tiraria todo o plano do chão.

O plano funcionaria sob um tripé, com os três pés interligados. Primeiro: isenção de anuidade e tarifas e juros menores, com teto de 7,75% por mês, menos da metade de Bradesco e Itaú. Segundo: uma interface mais fácil para requisitar serviços ou mudanças direto do app, sem passar pelas famigeradas agências. Terceiro: análise de risco baseada em incontáveis dados que outros bancos ignoravam, como modelo do celular e localização do GPS. Todo banco precisa analisar se a pessoa que pede crédito, seja pessoal ou atrelado a um cartão, é capaz de pagá-lo de volta. Os EUA tem o sistema de “credit score” (demorou, hein, Lu?), um conceito que (ainda) não pegou tanto no Brasil. O Nubank adotou a mesma abordagem do seu principal parâmetro. Abre aspas para reportagem do Brazil Journal de setembro de 2015:

O Capital One foi o pioneiro de um modelo de avaliação de risco chamado information-based strategy, que consistia em usar o máximo de dados para segmentar as ofertas aos clientes. Na época, os cartões de crédito nos EUA cobravam exatamente a mesma taxa de todos os clientes. Nigel Morris, um dos fundadores do Capital One, é hoje um dos investidores e conselheiro do Nubank. (O Capital One é hoje um banco com 65 milhões de clientes no mundo todo).

Em agosto de 2014, a Nubank lançou seu cartão com bandeira Mastercard e a Sequoia investiu mais US$ 13,8 milhões. A partir daí, a história anda rápido. Um ano depois, meio milhão de pessoas já tinham pedido o cartão — algumas entraram e milhares ficaram na fila de espera. Tiger Global, QED Investors e Kaszek Ventures (de um dos fundadores do Mercado Livre) investiram mais R$ 90 milhões no Nubank. A empresa, que começou numa casa em Moema6, se mudou para um prédio recém-reformado perto do Parque Ibirapuera, mas não durou: menos de dois anos depois, já tinha se mudado para um prédio enorme próprio na Avenida Rebouças, em São Paulo. Em 2016, dois anos após o lançamento, já havia 1 milhão de cartões de crédito circulando.

Quem eram esses clientes? O próprio Vélez explica para o G1:

No começo do Nubank, 80% dos clientes adquiriam o primeiro cartão. A média era de 21 anos, era um cliente bem jovem.

Foi o afã do público mais jovem, bastante conectado, que formou a onda na qual o Nubank surfou em seus primeiros anos. Como o Orkut e os drops de sneakers já ensinaram, essa oferta sufocada ajuda a atiçar a demanda, ainda mais quando você lê em todo lugar como o novo cartão não cobra taxas e tem juros menores. Quando chegava o cartão, muitas vezes o primeiro, o cliente entendia quão mais fácil de usar era o app do Nubank em comparação aos dos bancos tradicionais. Sabe aquela história da Uber “salvando” consumidores do péssimo atendimento dos táxis? Mesma coisa, mas aplicada para bancos. Isso tornava muito cliente satisfeito em fã nas redes sociais. O Nubank foi um dos motores do fenômeno de fandom de empresas: cliente que não é acionista ou funcionário defendendo a empresa como se fosse o time de futebol do coração. Em momentos diferentes da última década, se você quisesse arrumar briga de graça na internet era só falar mal do Nubank, Tim Beta e Xiaomi. Esse fandom levou a um segundo momento, tão insuportável como o primeiro: o das empresas com personas engraçadinhas nas redes conversando entre si. Enfiar um garfo de churrasco quente no olho é mais agradável. Para o Nubank, a oferta sufocada era excelente: o Brazil Journal estima que um grande banco gasta até R$ 170 para atrair um novo cliente. No caso do Nubank, o custo era quase zero.

Começou um círculo virtuoso/Essa procura fez o sucesso se retroalimentar: a fila aumentava, mais gente recebia cartão e defendia o Nubank nas redes, mais repercussão na imprensa, mais fundo de investimento se interessava, mais aporte, mais contratações, novos anúncios, mais gente queria entrar e tudo recomeçava. Era natural que um player novo recebendo tanta atenção alimentasse um rumor, ainda mais no setor bancário, sempre nadando em dinheiro: quem compraria o Nubank? O problema é que a startup cresceu tão rápido que não deu tempo. O Nubank ficou grande demais até mesmo para Itaú e Bradesco engolirem.

O sucesso do cartão do Nubank teve efeitos externos e internos. Comecemos pela porta para fora. De um lado, os bancões se viram obrigados a repaginar serviços e/ou lançar contas digitais — Digio e Next ligados ao Bradesco, Safra One do Safra e a carteira digital iti, do Itaú. Fora que o Itaú ia comprar a XP, mas o acordo não deu certo. Esse “extreme makeover” dos apps minou a vantagem que a Nubank tinha no começo pela ótima usabilidade. Por outro lado, o Nubank mostrou que existia espaço para outros players que misturavam finanças e tecnologia (a popular fintech). Pipocaram dezenas de novos bancos e emissores de cartões com apps tinindo e campanhas de marketing ousadas: C6, will bank, Inter, Neon, Agi, Original… A lista é enorme.

Da porta para dentro, era hora do Nubank se assumir como banco — afinal, é Nubank, não Nucard7. Ali, a empresa encaixa os pés nas pegadas que a Capital One já tinha dado nos EUA. Em janeiro de 2018, o Nubank ganhou a autorização para ser uma financeira, o que lhe dava autonomia para ofertar crédito sem precisar de um banco parceiro. O primeiro produto do banco foi a NuConta, hoje chamada apenas de conta do Nubank mesmo. Dessa vez, como já existia uma base de milhões de clientes, foi fácil acoplar a conta corrente aos cartões; não era preciso subir a pirambeira tudo de novo. Em dois anos, a conta do Nubank atingiu 4 milhões de clientes.

Lu já diria “one down, hundreds to go”. O que é um banco?8 É uma instituição que oferece um cardápio com centenas de produtos atrelados a dinheiro — principalmente, ao seu dinheiro. Quer guardar seu dinheiro? Conta corrente. Quer que renda um pouco mais? Poupança. Quer crédito? Crédito pessoal. Quer comprar uma casa? Crédito imobiliário. Quer um meio de pagamento? Cartões. Quer investir? Fazer câmbio? Sacar dinheiro vivo? Conta corporativa? Fluxo de caixa para empresa? Entra no app do seu banco antigo e navegue pelos menus. São dezenas de opções e não estamos considerando as outras focadas em nichos aos quais você não tem acesso. Acoplar serviços à base de conta+cartão que o Nubank já tem é um caminho bastante longo.

O objetivo é ter mais clientes usando mais produtos (alguns ainda a ser lançados) e, consequentemente, gerando mais receita para o banco, uma métrica que o banco chama de ARPAC no seu relatório trimestral. O ARPAC está vagarosamente crescendo (páginas 10 e 11 do relatório fiscal de 2023), enquanto a base de clientes segue crescendo forte — no fim de 2023, eram 94 milhões, 20 milhões a mais que um ano antes. Lembra do ranking que abriu o episódio? O valor de mercado atual, que coloca a Nubank como quarta maior empresa do Brasil, é baseado em resultados financeiros, sim, mas tem muita expectativa, muito potencial. Vamos comparar alguns números de 2023: o Itaú lucrou 7x mais que o Nubank em 2023, mas seu valor de mercado é “só” US$ 3 bilhões maior. O Bradesco, que vale menos da metade que o Nubank, lucrou 3x a mais.

Esse descompasso entre balanço e valor de mercado reflete como o mercado confia que, em algum momento, o Nubank vai transformar potencial em caixa. Em dezembro de 2021, o banco abriu capital na NYSE, a bolsa de valores de Nova York, e levantou mais de US$ 2,6 bilhões. Além do dinheiro, o Nubank se posicionou para investidores norte-americanos, europeus e asiáticos como o grande player bancário moderno na América Latina. Além do Brasil, o banco já estreou na Colômbia e no México — seu modelo facilita replicar o modelo em outros mercados, ao contrário dos bancões. Outros países devem estar no plano. Não é pouca coisa, principalmente se precisar levantar mais dinheiro.

Tabela de juros no cartão de crédito dos bancos brasileiros.
Tabela: Banco Central/Reprodução.

Aí a gente chega na parte mais importante do episódio. Como o Nubank faz dinheiro hoje? 80% das receitas vem de crédito no cartão. Os outros 20% são empréstimos pessoais. Investidor só gosta de empresas com resultados que seguem melhorando. Como um banco ganha mais dinheiro a cada trimestre? Com juros e taxas. Banco com hype e cool entre a molecadinha ainda é banco, ainda lucra com o seu dinheiro. Você pode colocar uma gravatinha num lobo selvagem. Ele vai até ficar mais bonitinho, mas vai arrancar seu braço na mordida do mesmo jeito.

Em março viralizou o TikTok de uma usuária explicando como sua dívida de R$ 5 mil reais no rotativo do Nubank se aproximou de R$ 1 milhão dois anos depois. Aquela taxa de juros alardeada de quase metade dos bancões nos primeiros anos do Nubank não durou 2 anos: em 2016, a empresa anunciou que aumentaria o teto dos juros de 7,75% para 14% ao mês. Se você entrar agora no site do Banco Central que mostra as taxas de juros do rotativo para todos os bancos, a média do Nubank está acima de bancões, como Bradesco, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil9.

Aquela ideia inicial do banco com juros muito menores que a média, no geral, pode estar na cabeça de muita gente, mas a realidade não a apoia mais. Tanto que, em abril de 2023, quando o governo Lula começou a discutir um projeto para limitar os juros rotativos no cartão, o banco de investimento UBS BB publicou um estudo afirmando que um eventual teto teria o maior impacto no Nubank. O projeto foi aprovado no Congresso e sancionado pelo presidente em outubro de 2023.

Para finalizar: é uma tradição do Nubank ir atrás dos desbancarizados jovens quando começa uma operação. Foi assim no Brasil e é o que está acontecendo agora no México — não à toa, o primeiro objetivo de 2024 no relatório fiscal de 2023 (página 28) é “Win in Mexico”. Você não precisa da tradução da Lu aqui. Mas arrebatar jovens desbancarizados é só o primeiro passo.

Slide de apresentação a investidores do Nubank citando a estratégia “Win in Mexico”.
Imagem: Nubank/Reprodução.

Desbancarizados são bons, mas não são o suficiente. Para justificar esse tamanho todo, o Nubank vai ter que escalar essa pirâmide social/financeira. Como tanta coisa na humanidade, a distribuição financeira de ativos obedece a uma “power law”: um pequeno grupo é responsável pela maior parte dos ativos. É em direção a esse topo da pirâmide, com as pessoas físicas e as empresas que movimentam bilhões, que o Nubank está tentando ir atrás.

A terceira prioridade para 2024 é “progredir em High Income e Supercore no Brasil”, dois grupos criados pela empresa. Supercore ganha de R$ 5 mil a R$ 12 mil e High Income ganha acima de R$ 12 mil. O Nubank diz que já tem a maioria desses clientes no Brasil, mas precisa se tornar o banco prioritário para eles. Não tem segredo: precisa de produtos voltados a essa fatia. Em março de 2024, a categoria de cartões Ultravioleta, o cartão Black lançado em 2021, foi reposicionado para quem ganha muito dinheiro.

Slide da nova estratégia do Nubank de avança sobre segmento de alta renda.
Imagem: Nubank/Reprodução.

Nesta pirambeira o Nubank luta também contra o que? A inércia lá do começo do episódio. Esse pequeno grupo muito endinheirado, vital para o futuro do Nubank, pode até não estar 100% satisfeito com seu atual banco, mas o trabalho para mudar é grande demais frente a, no máximo, diferenças incrementais. Está claro que o Nubank ainda não achou a fórmula que justifique a mudança e quem está falando não sou eu — é o CPO do banco, Jag Duggal, em uma live em abril de 2023. Disputar com bancões deitados em berço esplêndido tem dado certo, vide a rara ascensão de um novo mamute bancário. Mas a briga com a inércia é mais dura.

Porém — ah porém —, tempo para isso o Nubank tem: são bilhões em caixa, o lucro finalmente apareceu no balanço (US$ 1 bilhão em 2023) e até agora o mercado não tem razão nenhuma para perder a enorme confiança que depositou nele. Mas é bom ser ligeiro. Paira sobre o banco a história da Stone, que tirou Cielo e Rede do marasmo, conquistou a confiança do mercado de maquininhas ao abrir capital nos EUA e parecia pronta para quebrar a inércia e arrebentar o setor. Alguns resultados desanimadores depois, a Stone, com o perdão do trocadilho, afundou como pedra. A história da Nubank, de ideia a 4ª maior empresa do Brasil em 11 anos num setor que parecia sedimentado com concreto, é admirável. Mas uma coisa é chegar. Outra, ficar.

Foto do topo: Nubank/Divulgação.

  1. E eu estou forçando a barra em considerar a General Electric como tecnologia aqui.
  2. Uma rápida explicação: o Brasil tem apenas uma bolsa de valores, a B3. Os EUA tem algumas e muitas empresas de tecnologia na última década preferiram abrir em uma das bolsas gringas.
  3. Existia um contrato de exclusividade entre Visa e Cielo até 2010. No ano seguinte ao rompimento, a bandeira Elo foi lançada. Vamos lembrar que Mastercard e Visa não são empresas de cartões, mas de redes de processamento de pagamentos.
  4. A Braspag foi o primeiro gateway de pagamento do Brasil, fundada em 2005 por um sujeito chamado André Street que vai voltar à história daqui a pouquinho.
  5. Um parênteses: quando eu ainda era jornalista de redação, escrevi duas reportagens sobre o tema: uma de março de 2012 sobre a chegada da Sequoia atrás de investimentos e outra em maio de 2014 com a desanimadora conclusão do fundo.
  6. Essa casa na Rua Califórnia aparece em um terrível meme do LinkedIn tentando mostrar “o início modesto” da empresa, ignorando solenemente o dinheiro e, principalmente, o know-how da Sequoia, Vélez e Cristina. Enfim, ignore o LinkeDisney.
  7. Se você achou que ficaria só no cartão eu tenho uma Belina 93 à álcool para te vender.
  8. E nesta hora o Nubank pode reclamar que “a gente não é banco”, mandando link de post no blog oficial falando o mesmo. Daí a gente olha para o logo e para o link, o logo e o link, o logo e o link e segue em frente.
  9. Nota mental: pedir uma LAI com os dados históricos.

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